"Entra governo, sai governo,
continua tudo a mesma coisa"
Em entrevista a O TEMPO, líder do PSOL na Câmara destaca ações de ativismo político promovidas por meio da internet e analisa o atual momento das lutas sociais no Brasil. Para ele, está "claríssimo" que este é o momento de se enfrentar a corrupção no Brasil.
continua tudo a mesma coisa"
Em entrevista a O TEMPO, líder do PSOL na Câmara destaca ações de ativismo político promovidas por meio da internet e analisa o atual momento das lutas sociais no Brasil. Para ele, está "claríssimo" que este é o momento de se enfrentar a corrupção no Brasil.
No último dia 7, ocorreram vários protestos contra a corrupção pelo país. Qual o significado dessa movimentação?
No Dia da Pátria, nós vimos o que é essencial para se constituir uma nação: a cidadania ativa, o interesse nas questões políticas, a criatividade. Coisas que vão muito além da tradicional parada civil-militar, do desfile de louvor à ordem. Quando temos a revelação de insatisfações com uma série de aspectos da vida do país, estamos nos colocando em movimento. Eu entendo que isso é muito positivo e destaco não só as marchas contra a corrupção como também os diferentes gritos dos excluídos. Fiquei bastante satisfeito. Acho que o movimento é mesmo desigual e diferenciado, com maior mobilização aqui, menor ali. Mas, inegavelmente, o ponto mais chocante é a condenação dessa corrupção crônica: entra governo, sai governo, continua a mesma coisa.
No Dia da Pátria, nós vimos o que é essencial para se constituir uma nação: a cidadania ativa, o interesse nas questões políticas, a criatividade. Coisas que vão muito além da tradicional parada civil-militar, do desfile de louvor à ordem. Quando temos a revelação de insatisfações com uma série de aspectos da vida do país, estamos nos colocando em movimento. Eu entendo que isso é muito positivo e destaco não só as marchas contra a corrupção como também os diferentes gritos dos excluídos. Fiquei bastante satisfeito. Acho que o movimento é mesmo desigual e diferenciado, com maior mobilização aqui, menor ali. Mas, inegavelmente, o ponto mais chocante é a condenação dessa corrupção crônica: entra governo, sai governo, continua a mesma coisa.
É possível afirmar que este é o momento em que o povo decidiu sair às ruas?
Ainda não. Está provado que as redes sociais têm peso, mas só vamos fazer as elites repensarem suas práticas se a mobilização tiver continuidade e amplitude. O fato de o feriado ter caído bem no meio da semana, impedindo o descanso prolongado, ajudou na mobilização. Ainda é cedo para dizer que temos um rastilho de pólvora que vai crescer, que vai repetir as Diretas Já. De qualquer forma, é bom porque essa mobilização acaba cutucando algumas entidades que andam muito acomodadas, muito chapa-branca, muito domesticadas. Existe um certo tremor. Ainda não podemos dizer que existe um terremoto.
Essas movimentações pela internet têm autonomia de fato, ou estão a serviço de outros interesses?
Na minha visão, é inteiramente autônomo. Inclusive, há algumas características que considero até questionáveis. Por exemplo, combater todos os partidos políticos, não querer que alguém vá com a camiseta do seu partido. O movimento tem de ser plural e suprapartidário. Se um partido quiser aderir, não só com palavras, mas com atitudes, isso é muito bom. A rejeição é natural porque expressa o senso comum de que ninguém presta na política, de que todos são iguais. Mas o movimento é muito espontâneo. São pessoas que se valem da internet e começam a trocar ideias. O patamar é a indignação com a corrupção institucionalizada, com o cinismo da política, com a hipocrisia. Nisso, não há ninguém por trás, mas pela frente, de cara aberta. Eu vi uma das organizadoras do ato em Brasília dizendo que agora está se interessando mais por política, tentando conhecer, vendo no Google quem é quem. Antes, líamos os manuais, de Maquiavel a Karl Marx. Agora, se procura no Google. Isso mostra que o movimento tem uma espontaneidade, que há ainda uma ingenuidade positiva, que é marcante, que é para poucos.
Não totalmente. Estive na Espanha e acompanhei a chegada de jovens, aposentados, idosos, combatentes da guerra civil, todos mobilizados e questionando a representação política. "Não nos representam" é a consígnia. Eles se mobilizaram primeiro pela internet, criticando os grandes partidos, as estruturas oficiais. Mas esse movimento entrou depois em fase de reavaliação. Eles perceberam que não basta só dizer "não", é preciso ser propositivo. E, principalmente, que é necessário contar com figuras, personalidades e organismos já estabelecidos. A verdade é que sindicatos e centrais sindicais no Brasil são extremamente oficialistas. A União Nacional dos Estudantes (UNE) também não consegue se desvincular de uma pauta amena para o governo. Não creio que isso vá levar ao fim dos sindicatos, das entidades, mas a uma oposição interna, com mais briga pela autonomia. Afinal, os movimentos se interpenetram: movimentos de rua, movimentos independentes e movimentos sociais que se articulam sem as formas tradicionais de organização. Toda luta tem que ser organizada, senão fica no espontaneísmo e não tem eficácia. Um movimento mobilizado só pela internet, sem liderança, só no coletivismo, pode sofrer um problema de continuidade.
Já está claro para a população que este é o momento de se enfrentar a corrupção?
Está claríssimo. Todos percebem que a corrupção leva para o ralo recursos que poderiam estar na educação, na saúde. O Brasil, com tantos problemas sociais, tanta desigualdade, não pode tolerar essa corrupção que é sistêmica, antiga, larvar, insidiosa, que contamina todos os Poderes da República. Alguns com maior incidência, como o Parlamento, e outros, de forma menos visível, como o Judiciário. Embora seja um problema antigo, crônico, secular, a corrupção tem de ser combatida aqui e agora. Vejo com preocupação a presidente Dilma ter tomado uma atitude que mereceu o aplauso geral em relação ao Ministério dos Transportes e, depois, ter visivelmente recuado em nome da chamada "governabilidade". Isso quer dizer que não se pode tocar em certos nichos de corrupção, porque ali tem partido grande, do qual ela depende. Isso é muito ruim. Temos de ter um movimento suprapartidário, nacional, forte. A OAB e a CNBB têm dado boas contribuições para a faxina ética, que não pode ser "étnica", no sentido de você ir mais ou menos fundo de acordo com a cor do partido que você está questionando.
As instituições republicanas estão prontas para combater a corrupção?
Ainda não. Elas ficam muito na defensiva, têm medo do questionamento público, ficam muito ciosas da sua importância, quando, na verdade, um Executivo, um Judiciário e um Legislativo corruptos estão desmerecendo a si mesmos. Não há nada que desmoralize mais a Câmara do que aquela absolvição da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF). Isso, sim, é um deboche para a Constituição, é enfraquecê-la ao extremo. Os principais chefes dessas instituições, diante da crítica mais violenta, mais forte, preferem dizer que a instituição não pode ser atingida. Ora, na roubalheira pode? Então, acho que ainda há uma reação conservadora, um cerceamento muito grande das instituições, que têm que ser repensadas para praticar o compromisso da transparência absoluta. Norberto Bobbio dizia que a democracia é o regime da transparência, nela não podendo haver qualquer segredo. Mas temos voto secreto, ato secreto, decisão secreta, julgamento secreto, tramitação obscura. Tudo isso tem que ficar exposto ao sol e à crítica da cidadania. Só assim nós avançamos.
Pelo ritmo dos avanços, o senhor antevê o cenário de um Brasil sem corrupção?
Algumas coisas ainda têm de ser feitas com muita objetividade. Uma reforma profunda do sistema político-eleitoral para acabar com o financiamento privado na atividade política brasileira, já que as empreiteiras, por exemplo, controlam 55% do Congresso por meio dos parlamentares que elas financiam. Uma reforma tributária progressiva, para que, proporcionalmente, o pobre não continue pagando mais impostos que os ricos. Uma democratização dos meios de comunicação, para que a informação diversa e plural chegue à população. Um avanço forte na democratização da educação pública de qualidade, porque quem não lê fica prisioneiro da acomodação e do fatalismo da ideia torta e torpe que diz que a corrupção é natural no brasileiro. Enfim, precisamos de uma revolução democrática para podermos dizer que a corrupção vai estar sob controle, reduzida. Acabar, em lugar nenhum do mundo acaba, assim como um certo grau de violência. Isso tudo tem a ver com a incompletude humana. Mas, do jeito que anda o Brasil, nessa dimensão, não dá para sustentar mais. (Telmo Fadul)
Publicado no Jornal OTEMPO em 12/09/2011
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