quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Pra que Teatro de Rua?

Por João Luiz*
Vivemos em uma era que acumula espetáculos virtuais. Nosso tempo, as pessoas deste tempo, preferem a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação a realidade, a aparência ao ser. Tudo o que antes era diretamente vivido, se esvai na fumaça da representação apresentada pelos aparelhos de comunicação.
A televisão é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu intrumento de unificação. A televisão concentra todo o olhar e toda a consciência da sociedade. Ela é o foco do olhar iludido, da falsa consciência e da esperança num mundo melhor intangível pelos sentidos, tendo em vista a realidade vigente, pois ela se constituí de cenas com imagens e gestos referentes ao modelo presente da vida da classe burguesa dominante. Ela planta um ideal abstrato de metas e objetivos, um modelo de felicidade em comum baseado na satisfação oferecida pelo capital para o anestesiamento dos sentidos. Infelizmente a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada. Nunca as pessoas estiveram tão distanciadas umas das outras.

Diariamente conectado, o espectador obtém deste equipamento um panorama geral sobre as características da realidade que o cerca. É uma absorção direta de programação. Não abre espaço para fórum que possibilite reflexão e compreensão clara da realidade. A maneira como o mundo é colocado, passa por uma interpretação regulada pela política, e muitas vezes abafa o verdadeiro sentido dos acontecimentos. Favorecendo uma alienação condicionada de forma inconsciente através do hábito da contemplação e da aceitação passiva.
Os eventos públicos em geral, são integrativos em sua essência. A voz do mito, a narração épica dos acontecimentos históricos e contemporâneos não pode deixar de ser praticada nos espaços urbanos, o silenciamento do povo deve ser interrompido, e o distanciamento da verdade através do controle subjetivo das informações dos fatos ocorridos deve ser retaliado sempre através da arte.
Um espetáculo de teatro de rua leva ao espectador cativo transeunte o caminho para sua libertação ideológica, o despertar de sua condição de sujeito adestrado como instrumento, cuja única função é o cumprimento de tarefas numa absoluta subordinação a um conjunto de regras estabelecidas em prol da continuidade da exploração da força de trabalho sob um regime que não favorece o trabalhador, na verdade lhe escraviza.
Hoje, o foco principal da divulgação midiática é direcionado a eventos que tenham como característica fundamental o deslocamento de atenção da sociedade. As marcas, anexadas a estes eventos, favorecem o desejo pela posse e a necessidade do consumo desenfreado, ambos registrados de forma subliminar e captados pelo subconsciente do observador desprovido de filtros emocionais pelo desarmamento da consciência distraida. É necessário que se faça uma revolução do pensamento humano no sentido de desligar-se dos veículos de programação e retomar o sentido das relações humanas.
O teatro de rua, ressalta a voz do oprimido reagindo ao seu opressor de uma tal forma que não pode ser conceituado simplesmente como evento distrativo.
. Existe uma vasta possibilidade de troca de experiências coletivas nos espaços urbanos. Propagar uma mensagem de libertação através da quebra da lógica, do rompimento com o cotidiano da cidade é uma experiência que ignora limites no sentido de comunhão e integração do público para com o ator. O ator, como artista, vive uma experiência absolutamente significativa, quando molda-se a frente de seus olhos a roda de teatro de rua, pois sente que está resgatando as raízes da comunicação horizontalizada. Sua propulsão é direcionada de forma a absorver por completo o ruído mental provocado pela persuasão tecnológica, realiza-se neste instante, um convite ao pensamento livre de sugestões hipnóticas. O público por sua vez, reage e se modifica ao questionamento de suas próprias condutas e dos seus próprios ideais enraizados, quando provocados neurologicamente pelo fenômeno quântico sociológico do riso.
Pois o riso é, e sempre foi em todos os tempos, uma ferramenta que abruptamente quebra o sentido das coisas estabelecidas e cristalizadas.
Resgatando o individuo da razão, despertam-se ativas possibilidades, e novas tomadas de atitudes diferenciadas quando se entra em contato com o momento presente, liberando assim, publico e artista, do nexo de ações mecanicamente absorvidas por seu sistema de cultura programada.
* João Luiz é ator da Trupe Olho da Rua, e escreveu esse texto a partir da reflexão sobre “A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord.

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