quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Contra o modelo educacional neoliberal, em apoio à luta dos estudantes chilenos

Ivan Valente  em 9/8/2011

“Estudantes e professores chilenos realizam nesta terça, 9 de agosto, uma greve nacional em protesto contra as propostas apresentadas pelo presidente Sebastián Piñera para o setor educacional, que tenta acabar com as manifestações e protestos que já ocorrem há quase 3 meses, no maior movimento popular daquele país nas últimas décadas.
Infelizmente, aqui no Brasil pouco se tem noticiado sobre estes protestos e principalmente sobre suas causas. A razão é simples: elas expõem o fracasso de um modelo educacional que sempre foi apresentado como um modelo a ser seguido pelo Brasil. A proposta de Piñera, amplamente rechaçada pelos estudantes e professores, é pautada apenas por medidas que destinam mais subsídios ao sistema educacional, sem responder à principal reivindicação dos manifestantes: a criação de uma rede de ensino pública, gratuita e de qualidade.
O Chile foi o país da América Latina que mais aprofundou o modelo educacional neoliberal ao longo dos últimos 20 anos, seguindo à risca as propostas dos organismos internacionais, promovendo um radical processo de mercantilização da educação em todos os níveis. Com um sistemático desmonte das instituições públicas e de incentivo à expansão de instituições privadas, abertamente de cunho comerciais, e a terceirização de todos os serviços, chegou-se a um sistema com uma presença mínima do Estado, que atua apenas como um regulador do mercado através de políticas meritocráticas e sistemas de avaliação com exames pontuais.
Uma mercantilização tão explícita que chegou ao ponto de introduzir nos materiais didáticos propagandas de grandes empresas e produtos, tornando-os instrumentos, nada sutis, de manipulação e incentivo ao consumo. No Chile, 80% dos estudantes universitários freqüentam instituições privadas, menos de 50% dos estudantes da educação básica estão matriculados em instituições públicas e o governo destina muitos recursos para o setor privado e instituições confessionais, através do pagamento de mensalidades.
Os estudantes que foram às ruas do país trouxeram à tona uma realidade bem diferente daquela propagandeada por aqui, denunciando um sistema desigual e excludente, no qual o direito à educação não é garantido. Além disso, denunciam a baixa qualidade da educação chilena que, voltada exclusivamente para o mercado, não é capaz de responder à necessidade da formação cidadã. Essa denúncia desmascara as estatísticas e resultados de exames, inclusive internacionais, que tentam reduzir a questão da qualidade aos resultados de provinhas e provões.
O sistema educacional chileno reproduz e reforça as desigualdades sociais do país e por isso os manifestantes lutam por mudanças que representem uma ruptura com o modelo atual, e não apenas medidas pontuais ou que se proponham a aperfeiçoar o sistema. É uma luta contra o modelo neoliberal.
Infelizmente, o governo chileno não se mostra disposto a debater essa reivindicação e têm optado por reprimir com violência as manifestações, passando inclusive a se utilizar de uma legislação do período de Pinochet para tentar impedir os protestos e punir os manifestantes.
A situação no Chile nos leva a uma reflexão direta sobre os rumos da educação brasileira. O sistema educacional chileno sempre nos foi apontado como modelo a ser seguido, principalmente no que diz respeito às avaliações e à expansão do atendimento através de subsídios para instituições privadas.
Graças à luta dos movimentos organizados, o Brasil não sofreu um processo de mercantilização da educação básica tão radical quanto o do Chile. Mas, infelizmente, vimos na última década o aprofundamento de propostas baseadas na meritocracia, a consolidação de diversos sistemas de exames e rankings e uma expansão desenfreada de instituições privadas de ensino superior de péssima qualidade.
Basta lembrar que, até aqui, a principal proposta do atual governo na área educacional é a constituição do chamado PRONATEC, um programa que destina recursos públicos para instituições privadas realizarem o atendimento da educação técnica e tecnológica. Um modelo idêntico ao PROUNI no ensino superior, e que se assemelha muito ao modelo chileno. Uma expansão sem garantia de qualidade, que estranhamente abre mão da ampliação da rede pública de ensino técnico, principal avanço do governo anterior.
Outro fato que mostra o equivoco da política neoliberal para a educação, e que reforça a posição dos estudantes chilenos, é o fim do sistema de premiação por bônus para os professores da cidade de Nova Iorque. Estudos realizados nos Estados Unidos evidenciaram que tal política não foi capaz de melhorar a qualidade da educação. Ao contrário, gerou deformações, levando a cidade, pioneira na implantação desse tipo de premiação, a extinguir o sistema.
A situação da educação no Chile e as mudanças em Nova Iorque são um alerta para os governos aqui no Brasil, que a cada dia apontam para a implantação de novos mecanismos baseados na competição e na premiação/punição de profissionais e estudantes, e para programas que promovem a privatização do ensino. Este é um caminho que coloca em risco o futuro de nossas crianças e jovens e o desenvolvimento do país.
Os debates em torno da tramitação do novo Plano Nacional de Educação são uma excelente oportunidade para refletirmos sobre um plano estratégico para a educação brasileira e optarmos por uma ruptura com o modelo neoliberal. O projeto de lei originalmente apresentado pelo governo a esta Casa reforça a mercantilização da educação e abre espaço para que ocorra aqui no Brasil um processo de privatização mais aprofundado e de maiores proporções que o do Chile.
Por isso, é fundamental uma grande mobilização social, para assegurar que o PNE incorpore uma posição contundente de defesa da escola pública, estatal, gratuita e de qualidade para todos, que nos desvie do caminho tomado pelo Chile até aqui, que os jovens de lá agora tentam bravamente modificar. Portanto, todo nosso apoio à luta dos estudantes, pais e professores chilenos.
Muito obrigado.”
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

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