No discurso desta quarta-feira, 1º de novembro, o líder do PSOL, deputado Chico Alencar, falou, com indignação, sobre o poder paralelo das milícias que crescem no Brasil. Esta máfia está ‘obrigando’ o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ) a deixar o país e se refugiar na Europa com a família.
“Ele deverá sair do país a convite da Anistia Internacional, para, como nos tempos da ditadura denunciar lá fora os desmandos e a omissão do Estado”, disse Chico Alencar.
Leia a íntegra do discurso do líder na Câmara.
“Presidente Imbassahy, colegas Deputados, servidores, todos que acompanham esta sessão, às vésperas do Dia de Finados, temo que estejamos começando a presenciar o assassinato, a morte da República no Brasil. O poder paralelo das máfias cresce no País. As milícias, que são máfias — e o termo mais correto é este: máfia — , estão já presentes em 12 Estados da Federação.
Elas constituem, muito mais do que o narcotráfico armado, um verdadeiro poder paralelo. As máfias milicianas — particularmente poderosas no meu Estado, o Rio de Janeiro — são constituídas por policiais e ex-policiais civis e militares, por bombeiros e ex-bombeiros que não honram o serviço público que conquistaram, fundamental para a população, e que se inspiraram, talvez, nas más práticas de autoridades públicas. Essas milícias formam verdadeiros bandos agressivos com controle territorial sobre diversas áreas, oprimindo as populações locais de forma a mais violenta e exibindo um poderio armado inequívoco — e muitas dessas armas pertencentes ao aparato estatal. Além disso tudo, fazem negócios, desde sinal de TV por assinatura — clandestino, é claro — à venda de gás e do transporte dito alternativo.
Milícias são máfias que matam. Milícias matam: a juíza Patrícia Amorim, como vimos há pouco no Rio de Janeiro, foi um triste exemplo disso; milícias constrangem a população; milícias têm vínculos como poder, elegem Deputados e Vereadores. O meu colega Miro Teixeira, de longa e correta tradição democrática no Rio de Janeiro, sabe disso. Esse poder tem crescido e não tem a inofensividade de um centro social do clientelismo. É simum poder despótico violento.
Há muitos ameaçados pelas milícias no Brasil e no Rio de Janeiro em particular, a começar pelas populações que vivem sob aquele poder, um poder também de currais eleitorais onde muitos candidatos majoritários — como foi o caso do atual Governador do Estado e numa certa época do atual Prefeito da Capital — comparecem e se beneficiam dessas alianças tão bonitinhas e cantantes no período eleitoral. Depois, quando se expõe a podridão, a violência nefasta e fascista desses grupos, ninguém mais os defende objetivamente, no discurso, porque, na prática, há um acumpliciamento.
As propaladas Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro, que tiveram e têm um papel inicial importante, sem a presença social do Estado de nada adiantarão. Elas não atuam nessas áreas de milícia. Não há prioridade do Governo do Estado de enfrentar esse poder paralelo do qual foi cúmplice durante muito tempo, se é que ainda não continua a ser. Apenas uma área — a comunidade do Batam, no Realengo, na Zona Oeste — tem UPP, e lá jornalistas de O Dia foram presos e torturados pela milícia.
O fato repercutiu, e aí o Estado, no bom sentido da palavra, fez-se presente com o monopólio democrático da força. Mesmo assim, o monopólio da força miliciana-mafiosa continua se expandindo no Rio de Janeiro e no Brasil a ponto de chegarmos a esta situação escandalosa: um Deputado Estadual do Rio de Janeiro, segundo mais votado com mais de 160 mil votos, tem de, provisoriamente, temporariamente, se ausentar do Estado onde exerce mandato para reorganizar sua segurança e proteger sua própria família, também ameaçada.
O Deputado Marcelo Freixo é nosso companheiro do PSOL — mas essa é uma luta suprapartidária dos republicanos brasileiros, dos democratas verdadeiros — e vem sendo ameaçado desde que presidiu a CPI das Milícias, relatada, aliás, pelo Deputado Estadual Gilberto Palmares, do PT. Aquela CPI concluiu pelo indiciamento de 255 pessoas, inclusive Parlamentares, a maioria do PMDB, cassados e presos em boa hora.
A partir da conclusão da CPI, o que aconteceu foi que as ameaças à vida do Deputado Marcelo Freixo cresceram violentamente. São 27 ameaças detalhadas e registradas pelo Disque-Denúncia, sendo 7 neste mês de outubro, após o assassinato da juíza Patrícia Amorim.
Ninguém aguenta mais isso. Viver sob escolta é um horror! E, pela convivência que temos com o Deputado Marcelo, sabemos como isso é difícil. Agora, a sucessão de ameaças: Olha, hoje soubemos que o filho dele vai a tal lugar… O planejamento que felizmente o Disque-Denúncia detecta nos revela uma situação de constrangimento absoluto.
A Secretaria de Estado de Segurança, que tem à frente o correto Secretário Beltrame — também ele ameaçado, como a Delegada Chefe da Polícia Civil Marta Rocha, também ela ameaçada — não está dando conta de conter esse avanço e essas ameaças, a ponto de a Assessoria de Comunicação da Secretaria, na semana retrasada, num ato de solidariedade ao Deputado Marcelo, na OAB do Rio de Janeiro, ter desmentido as ameaças, segundo relato do jornalista e ex-policial Rodrigo Pimentel, que lá foi fazer uma reportagem, pela TV Globo. Eles lhe disseram: Não, não temos ciência das ameaças, quase que na mesma hora em que o Secretário Beltrame ligava para Marcelo Freixo mostrando-se preocupado e dizendo que estava tomando providências.
O Deputado Marcelo Freixo deverá sair do País a convite da Anistia Internacional, para, como nos tempos da ditadura, Deputado Fernando Ferro, denunciar lá fora os desmandos e a omissão do Estado — naquela época, era a repressão e a tortura do Estado. Ele vai passar algum tempo lá para reorganizar a sua segurança. Antes, aqui, teve que trocar o carro blindado à prova de balas de pistola; agora — e ele me contou isso — , o seu carro blindado é à prova de balas de fuzil.
Ontem, finalmente Secretaria de Segurança divulgou uma nota dizendo que tem ciência das ameaças e que as está processando, mas não informa nada ao próprio Deputado. Claro que o sigilo é importante, mas a pessoa ameaçada tem o direito de saber, e o Estado tem o dever de fornecer as informações para a sua mínima tranquilidade pessoal.
Há portanto um mar de cumplicidade, uma situação gravíssima. Isso precisa ser denunciado. As autoridades têm que se manifestar e não ficarem pensando apenas nos currais eleitorais podres e criminosos que dominam essas áreas.
Milícia é máfia! Milícia mata! Milícia tortura! A máfia exerce um poder que corrói a República brasileira. E é contra esses podres poderes que não só o Deputado Estadual Marcelo Freixo, mas todas as autoridades públicas democráticas deste País, de maneira suprapartidária, têm que se insurgir, senão a lágrima derramada pela juíza Patrícia, uma juíza que fazia justiça contra os bandidos fardados, vai ser derramada por muitos outros. É uma autodefesa da República e da democracia. Ninguém pode se omitir nesta hora gravíssima!
Obrigado, Presidente.”
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