quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Frente à crise capitalista e ambiental, afirmar a saída ecossocialista - Resolução do 3º Congresso do PSOL

Militantes ecossocialistas, reunid@s em São Paulo , em 3 e 4 de dezembro de 2011, por ocasião do 3º Congresso do do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), reafirmaram e atualizaram a Carta de Curitiba, que estabeleceu o Setorial Ecossocialista do partido. E apresentam aqui sua reflexão sobre a atual crise, as políticas destrutivas aplicadas pelo governo brasileiro e as lutas necessárias para enfrentar a crise ambiental criada pelo capitalismo globalizado e estabelecer uma sociedade justa e sustentável, social e ambientalmente.

Esta é, assim, apenas a face mais visível de uma crise maior, decorrente da atual configuração do modo de produção capitalista, com seu modelo de desenvolvimento produtivista-consumista, baseado na matriz energética fóssil e um modo de vida das elites econômicas baseado no consumo ostensivo e perdulário, na descartabilidade e na obsolescência planejadas, que são, a um só tempo e em todas as escalas, ambientalmente insustentáveis e socialmente injustos.

Outros sinais dessa crise são a escassez da água, onde uma em cada quatro pessoas no mundo de hoje não tem acesso a água potável; a redução da biodiversidade pela extinção das espécies, que é a mais elevada em 65 milhões de anos, já configurando uma sexta onda de extinção em massa na história da Terra; e a ruptura de vários ciclos vitais da biosfera planetária, que faz com que anualmente o impacto da atividade humana ultrapasse em 30% a capacidade de regeneração do conjunto dos ecossistema. Catástrofes ambientais ocorrem cotidianamente, dos deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro ao acidente nuclear de Fukushima, do “acidente” na plataforma da British Petroleum no Golfo do México ao “acidente” da Chevron na Bacia de Campos.

Em nosso país – cuja formação histórica, socioeconômica e cultural foi fundada na monocultura de exportação, na escravidão, na sistemática superexploração e genocídio dos povos indígenas e afrodescendentes e na rapina e devastação de nossa natureza – o Programa de Aceleração do Crescimento dos governos Lula e Dilma é a última faceta do “desenvolvimentismo”. E é este desenvolvimentismo, com seus mega-emprendimentos predatórios, que alavanca hoje o capitalismo brasileiro.

Assim, os compromissos do governo com o agronegócio cobram seu preço na reforma regressiva do Código Florestal, que ampliará o desmatamento e a emissão de carbono. Apesar da objeção de boa parte da sociedade brasileira, avança a construção da usina de Belo Monte, penalizando populações tradicionais e ameaçando a sobrevivência dos povos indígenas da região. Como avançam as obras da Transposição do São Francisco, desviando a água do rio para os empreendimentos capitalistas da região. Hidrelétricas e obras como Santo Antonio, Jirau, TKCSA, CSU, Porto Sul, Pólo Naval, com seu repertório de agressões socioculturais, étnicas e ambientais; a manutenção da política de genocídio do povo Kayowá-Guarani pelo agronegócio em Mato Grosso do Sul; a degradação dos ecossistemas e dos cursos d’água pelo uso dos agrotóxicos; a manutenção do programa nuclear; a expansão da opção pelo transporte privado nas grandes cidades; a atuação predatória frente às jazidas do pré-sal; o ataque à legislação ambiental, configurada não só no Código Florestal mas também na flexibilização do licenciamento ambiental e no abandono de mecanismos de controle social sobre as politicas ambientais – além da agenda excludente das obras da Copa do Mundo e Olimpíadas –, tudo isso demonstra até onde o capital quer chegar em nosso país.

Vivemos, aqui como no resto do mundo, uma crise que é econômica, social, ambiental e civilizacional, uma crise que impõe uma disputa de natureza ideológica sobre o entendimento das suas causas e métodos de enfrentamento, que confronta, em matizes diferenciados, capitalistas “verdes” versus “ecossocialistas”. Estamos frente a uma disputa sobre projetos de sociedade e, portanto, de civilização.
A compreensão dos que se reivindicam herdeiros das utopias igualitárias, às quais se agrega em nossa época o ecologismo, é a de que, nas precisas palavras do Manifesto Ecossocialista Internacional, “o atual sistema capitalista não pode regular, muito menos superar, as crises que deflagrou. Ele não pode resolver a crise ecológica porque fazê-lo implica em colocar limites ao processo de acumulação – uma opção inaceitável para um sistema baseado na regra ‘cresça ou morra’”. Trata-se, assim, não só de uma crise ambiental e social, mas uma crise da própria civilização do capital, de sua lógica econômica, de seu modelo de desenvolvimento, de seu modo de vida e dos seus valores.

Denunciamos e combatemos as relações espúrias e corruptas dos agentes públicos com os grandes grupos financeiros, industriais, empreiteiros e do agronegócio que financiam suas campanhas eleitorais para depois cobrar o preço amargo da destruição e da inviabilização de todas as formas de vida.

Denunciamos os discursos e as práticas supostamente voltadas para a preservação de ecossistemas, mas cuja retórica esconde nefastos interesses pela exploração acelerada dos recursos naturais e a conseqüente desagregação dos diversos biomas e modos de vida humana a eles associados.

Denunciamos aqueles originários da esquerda que, entre a garantia dos direitos das classes trabalhadoras e a aliança com a burguesia internacional, optaram por esta última e se transformaram nos fiadores da desgraça e da destruição ambiental. A opção pelo crescimento econômico indiscriminado está diretamente ligada à adaptação da economia brasileira ao capitalismo global, que exige a reorientação de boa parte da economia para a exportação. A exportação de commodities é também exportação de água, energia e vida do nosso povo e dos nossos ecossistemas.

Só um partido que se reivindique da tradição anti-capitalista, mas que tenha rompido com as experiências autoritárias, burocráticas e predatórias do chamado “socialismo real” – um partido que dialogue e interaja com as comunidades tradicionais e os movimentos sociais, ecológicos e socioambientais – pode enfrentar esse processo de degradação e estabelecer as alianças táticas e estratégicas para a luta ecossocialista.

Assim, o PSOL e o conjunto dos seus militantes assumem os seguintes compromissos:
• Denúncia e combate permanente à tentativa de flexibilização da Política Ambiental, notadamente a revisão do Código Florestal, reforçando os atos já convocado pelos movimentos sociais para 10 de dezembro de 2011;

• Denúncia e combate permanente à construção da Usina de Belo Monte, reforçando os atos já convocados para 17 de dezembro de 2011;

• Luta pela redução drástica da emissão de gases do efeito estufa em escala mundial, a fim de retorna-los ao nível seguro de 350 partes por milhão de concentração de dióxido de carbono (CO2) e seus equivalentes. Defesa, no Brasil, do aprofundamento do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, estabelecendo metas de redução de 50% das emissões brasileiras em 10 anos.

• Acompanhamento, denúncia e resistência às arbitrariedades e desvios dos projetos, das obras e impactos do PAC, inclusive na preparação para os megaeventos da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, principalmente no que tange à degradação das condições de trabalho, os despejos e remoções forçadas de comunidades pobres, o estímulo à prostituição e tráfico de mulheres e crianças, bem como à redução da biodiversidade;

• As comunidades atendidas e atingidas pelos grandes empreendimentos, obras de infra-estrutura, planos diretores urbanos, unidades de conservação, projetos de geração de energia (inclusive renovável) e projetos agroindustriais devem ter garantida sua participação qualificada, continuada e legitimada em todas as suas fases, desde os diagnósticos até as medidas para tratamento dos impactos.

• Diversificação da matriz energética brasileira, bloqueando a instalação de usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis, denunciando seus impactos nas escalas local a global e defendendo formas alternativas e renováveis de geração de energia, com o mínimo impacto ambiental e sob controle social (“energia certa, do jeito certo”). Apoio às políticas de eficácia energética e rediscussão da utilização da energia gerada, suas tarifas, concessões e prioridades (“energia para que e para quem?”).

 • Ampla mobilização para enfrentar a questão nuclear e barrar o programa nuclear brasileiro através do parlamento e dos movimentos sociais! Pelo descomissionamento de Angra 1, 2 e 3! Pelo cancelamento de novos projetos de usinas nucleares e do uso militar de artefatos e reatores!

 • Ampliação das áreas protegidas por unidades de conservação nos diversos ecossistemas brasileiros, com garantia da participação pública qualificada na gestão e integração aos modos de vida das comunidades locais.

• Por uma reforma agrária ecológica. Contra os Desertos Verdes e as monoculturas. Apoio à campanha de denúncia do uso dos agrotóxicos e dos organismos geneticamente modificados. Pelo fim imediato da isenção de impostos para substâncias agrotóxicas. Defesa da agroecologia familiar como alternativa para a produção de alimentos. Implantação do desmatamento negativo via recuperação de áreas desmatadas, com reflorestamento que respeite a biodiversidade original.

• Por uma reforma urbana inclusiva e ambientalmente responsável, com o fim da especulação imobiliária e da privatização dos espaços públicos.  Adoção de um programa de cidades verdes, com geração local de energia, eficiência energética e arquitetônica, ampliação da cobertura vegetal, destinação para o uso cidadão dos espaços públicos, etc, via mecanismos de incentivo e proibições.

 • Adoção de uma política de transporte e mobilidade que privilegie o transporte público e penalize o individual, incidindo especialmente sobre o mercado de carros de luxo e de alta cilindrada. Apoio irrestrito a movimentos contra a carestia dos transportes públicos (movimentos pelo passe livre e pela tarifa zero), além da luta por uma gestão mais transparente dos sistemas de transporte urbano, grande expansão das ciclovias, a integração entre os diversos modais e o fim da dependência do rodoviarismo.

• Ainda no âmbito das cidades, a destinação dos resíduos sólidos constituem um desafio inadiável. É preciso atacar os aspectos degradantes do sistema produtivo, tais como a irresponsabilidade das empresas com as embalagens de seus produtos e reciclagem de seus produtos. Por uma política publica de reciclagem, de valorização e proteção aos profissionais da limpeza urbana e apoio e estimulo a formação de associações de  catadores de materiais reciclável.

• As zonas costeiras devem ser geridas como bem público inalienável e como santuário da vida. Portanto, repudiamos toda e qualquer atividade que cause constrangimentos à pesca e à navegação artesanal; ao uso público das praias e demais bens naturais litorâneos; ou a ameaças aos patrimônios genéticos marinhos e estuarinos.

• Pelo reconhecimento e demarcação de territórios quilombolas, terras indígenas e reservas extrativistas! Contra o Racismo Ambiental!

 • Vinte anos depois da Eco92 e após dez anos de governos desenvolvimentistas do PT, utilizaremos o momento da Rio+20, de 13 a 20 de junho de 2012, como uma oportunidade para questionarmos de forma sistemática os descaminhos sócio-ambientais do Brasil e do mundo e apresentarmos nossas alternativas. Dessa forma, impulsionaremos ativamente o evento paralelo ao oficial, a “Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental”, reforçando seu caráter de crítica do sistema capitalista e do modelo sócio-econômico vigente no Brasil.

 • E participaremos ativamente do Fórum Social Temático “Crise capitalista, justiça social e ambiental”, programado para Porto Alegre, de 24 a 29 de janeiro de 2012. Estimularemos nossa militância nos movimentos sociais a dialogarem com os grupos temáticos formados para este Fórum e organizaremos, pela Fundação Lauro Campos, uma agenda de debate e intervenção nas lutas sócio-ambientais que nele se articularão, inclusive no caminho da Cúpula dos Povos da Rio+20.

O que se coloca para a humanidade é o desafio da constituição dessa nova sociedade que possa vir a ser, a um só tempo, politicamente democrática, socialmente justa e igualitária, cultural e etnicamente diversa e ambientalmente sustentável. Assim, na esteira de Michael Löwy, pode-se atualizar a consigna de Rosa Luxemburgo para “Ecossocialismo ou Barbárie”!

Estamos imersos em uma crise planetária, de proporções inéditas. Sua face mais visível, mas não única, é o aquecimento global, decorrente das emissões de gases do efeito estufa, que gera enormes mudanças climáticas. Não há um só dia em que não se observe a ocorrência de fenômenos climáticos extremos, gerando dezenas de milhões de refugiados ambientais no planeta. As Conferências do Clima no âmbito das Nações Unidas sucedem-se sem nenhum acordo para reduzir as emissões de carbono. Enquanto estamos reunidos nesse Congresso, o 17ª encontro da Conferência do Clima esta instalado em Durban, na África do Sul, sem perspectivas de apresentar soluções concretas para a maior ameaça ambiental da história humana. Ao contrário, premido por uma grave crise estrutural, manifesta depois de 2008 e agravada em 2011, o capitalismo descarrega os custos de seu enfrentamento sobre populações trabalhadoras e ecossistemas.

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