“Você precisar ser mocinha! Fecha as pernas! Não coloca isso aí! Precisa se arrumar mais! Quem vai querer uma namorada assim? Tá igual seu irmão! Precisa se valorizar. Precisa esperar o homem ideal! Precisa esperar o momento ideal! Os homens fazem sexo as mulheres fazem amor. Passado de mulher e cozinha de restaurante… Vai ficar rodada (falada). Tá agindo igual uma piranha. Mulher é de um homem só. Boceta é um negócio feio! É natural de a mulher querer menos sexo. A mulher prefere fazer amor. O homem da minha vida. Não sou suas negas! Não sou dessas! Tá achando que sou alguma piranha?”
Tanta coisa a gente ouve tanta coisa a gente diz…
Para início de conversa, esse texto não é intencionalmente feminista e não vai ter linha teórica e palavras complicadas. É escrito de uma mulher qualquer para outras mulheres “qualqueres”. É só um desabafo para o que esses olhos observam e esse coração se inquieta e ofende através do ouvido. O texto é isso uma questão de sentido sobre como nós, mulheres e homens, somos oprimidos sexualmente das formas mais bem intencionadas e singelas.
Só o fato de um bebê ser mulher já inclui comentários sobre os perigos que os pais irão sofrer: uma menina custa mais caro; o pai irá lidar com os namorados, etc. Esses são os recados da sociedade para que aquele casal cumpra o papel de, logo de início, envolver a criança nesse sistema de opressões. É delegado aos dois a tarefa de passar a vida inteira sendo os guardiões da hipocrisia, da castidade, da moralidade e do puritanismo. Eles cumprirão esta função e, conseqüentemente, serão a condenação e a culpa que as mulheres carregam pelo resto da vida de não serem castas e de se sentirem usadas.
Nasce a garotinha, fura-se a orelha, veste-se de rosa sua imagem – está declarada nesse momento com o simbólico da fragilidade. Os nossos banhos são dados pela mãe, avó, prima, tia e qualquer mulher! Nosso pai é afastado nesse sentido e qualquer colo masculino numa família mais tradicional já é decretado como impróprio. Medo de alguma violência talvez. Mas também considero que aqui o homem ganha um papel animalesco e talvez esse seja o motivo de tantos ainda violentarem as crianças dentro da família. Eles não foram educados para serem responsáveis, amáveis, cuidar das crianças com a totalidade da criação. Não foram expostos a ter o olhar não vinculado ao sexo. O mundo do afago para homens consegue, nesse sentido, ser mais distante e oprimido ao da mulher: geramos doenças e violência por isso.
A sociedade cria os homens para serem os machos opressores e violentos.
Nesse exato momento que escrevo o texto no notebook acabei de escutar a vizinha com apenas 9 anos atendendo, à clara luz da manhã, pessoas em casa. Ela do lado de dentro do portão, um homem que entregaria uma encomenda a seu pai. Ele deixou um embrulho e ela se comportou como uma “moça”! E mesmo assim, surge uma mulher mais velha preocupadíssima que a criança atendeu o portão com o amigo do pai à porta. Exemplo prático de como é demonstrado como perigosa qualquer aproximação com um homem. E seguem os sermões com a criança.
Então começam nossas primeiras brincadeiras: ainda bem pequena a mão que não sossega de quando encontra a boceta (prefiro usar esse termo porque me é mais familiar e confortável). É o momento em que os meninos arrancam risos da família mostrando que são machos e nós descobrimos que temos uma vergonha! Dizem pra gente esconder; não mexer! Os mais modernos dizem que pode machucar! Os ultramodernos avisam que a mão está suja. Mas não existe ninguém perguntando se nós queremos entrar no banho pra ficar brincando e descobrir o que tem lá. Ninguém trata como se fosse qualquer outra parte do corpo. O órgão feminino já é omitido quando nos ensinam a falar os nomes: Onde ficam os olhos? Nós aprendemos! Assim como pernas, ouvidos, nariz, boca, pé, dedos, barriga. Os peitos e a “perereca” sumiram e ninguém diz “Achoooou!!!”.
Devem ter achado feio e incorreto porque eu designei o termo perereca. Mas diferente do que se ouve por ai acho que apelidos são sempre bem vindos e todas as partes do corpo tem. Então se não for servir de subterfúgio para não dizer os nomes reais por vergonha é bem vindo trazer um ambiente carinhoso e lúdico com o contato com o corpo logo de início.
Como estava contando… já esconderam as nossas “vergonhas”, agora fazem questão de que tenhamos autonomia na vigilância. Ouve-se incansavelmente o “fecha as pernas!”. Gostaria de saber porque diabos (além de servir como tortura) se veste uma menina de saia e pede que a criança mantenha a perna fechada para não mostrar a calcinha. Pronto! Está reforçada a vergonha que teremos futuramente em nos mostrar, encontrar, despir e gozar. Isso já está estabelecido quando ainda não aprendemos a ler.
Agora vêm as brincadeiras de criança! Os mundos divididos em brincadeira de menino e brincadeiras de menina. São reforçadas as tendências esperadas dos grupos sociais: os trabalhos mais pesados e físicos para o homem e as atividades mais quietas e sensíveis para as meninas. Então incluem que nós iremos brincar de boneca; fazer comidinha; escolinha; ser enfermeira; ter uma boneca arrumadinha; princesa-modelo que encontra o namorado. Também existe a falta de brinquedos mais intelectuais e livros. Ficamos sem os livros de aventura e os Legos, sem brinquedos de madeira e os robóticos. Alguns pensarão que isso já está mudando ou é passado, mas é tão evidente no meu convívio (de classe social mais baixa) que achei pertinente citar. Até porque, mesmo os presentes servem para enraizar a ideologia que serão as meninas mais pobres que ainda terão que trabalhar cuidando dos filhos delas e das outras da própria comunidade; de classe média que não possuirão disponibilidade.
Com tanta opressão e ao mesmo tempo tanta projeção para o comportamento ideal diante da avaliação de um homem é compreensível que nossa sexualidade exploda durante a adolescência e que nós só pensemos em amores, paixões, descobertas… porque mesmo que ainda escondidos esse é o momento mais propício. Talvez se desde sempre fossemos consideradas um processo contínuo e natural nós não seríamos tão incisivas e também não supervalorizaríamos as relações. A adolescência é um período muito forte para a mulher já que existem a vontade biológica e a pressão social ideológica que foi construída pelo amor romantizado. E nessa fase tudo isto acaba se somando, causando as maiores desilusões e mais sofridas na mulher.
Somos exageradamente sentimentais. Ainda não classificamos os tipos de relação; ainda queremos que as primeiras relações sejam capazes de, por si, mostrarem um valor superior, sobre os valores esperados pela família. Esperamos que o menino cumpra papel de protetor e honroso sobre a importância da nossa virgindade e mostre como ela deve ser enaltecida por eles. - Disseram-nos que nossa importância estava medida ali, como um produto tem seu lacre, como um objeto que foi violado e usado e agora não tem valor de compra. – Esse é o momento que somos perdidas dentro de nós mesmas, que o mundo real não é coerente com os ensinamentos, que a nossa natureza se sobrepõe à hipocrisia social humana. Perdidas para a família, perdidas dentro de nós!
Durante a juventude culpamos os homens por nos usar. Toda relação será uma possibilidade de estabelecer vínculo profundo pleno e longo e mesmo que esse homem não seja interessante para um relacionamento. Mesmo que não haja um prazer real é dada a ele essa importância. Não existe ainda um conhecimento filtro e uma classificação sobre isso propriamente nossa. É o momento de sofrer com as amigas, de correr atrás, de brincar de gato e rato com os rapazes. Nas conversas entre amigas os relatos auxiliam nas descobertas mínimas feitas. Ficam expostas as opressões, medos conscientes e talvez expostos para estabelecer para amiga que você é pura ainda que no medo. Mas, merecidamente na realidade, eles são ignorados e resta às amigas a defesa da nossa “fragilidade” “expectativas” ou o julgamento torto e perverso sobre a outra como fazemos internamente com nós mesmas.
Os rapazes tiveram uma liberdade maior com relação à sexualidade conjuntamente com a supervalorização da sua virilidade lutam para acumular experiências em números e cumprem o papel por não estabelecer vínculos profundos. Também é cobrado a ele o papel de macho e reprodutor. O número de mulheres se torna algo importantíssimo na sua apresentação como homem. Mesmo que não seja estabelecida uma intimidade necessária para o maior desenvolvimento e técnica para percepção dos prazeres do próprio corpo e da parceira.
Com o tempo as coisas são melhores dosadas para algumas mulheres. Os casos com homens socialmente-não-adequados são escondidos e as relações duradouras e ideais apresentadas – essas ainda tem um caráter revolucionário à medida que já conhecem seu próprio prazer e sabem que, mesmo que a sociedade cobre um “status”, Tesão é algo independente nisso. Existirão mulheres que reinventarão a própria pureza e castidade se glorificando dos poucos homens que tiveram e os relacionamentos profundos ou se vitimizando cotidianamente. Outras terão uma postura radical a acumularão parceiros, mas essas, socialmente, não são aceitas; internamente já percebi algumas demonstrando que o exagero é decorrente de uma autopunição, autoflagelo. Outras podem ter vários parceiros por prazer, mas ainda restará o gosto cruel e amargo de não ser o tipo ideal de mulher que consegue se reprimir. Em certo momento poderemos ser qualquer uma dessas ou uma mistura de várias.
Tudo que eu disse aqui é superficial generalizado e pessoal. A questão é bem mais profunda e fundamentada, mas é um tipo de pensamento que não pode ficar perdido dentro de nós. Senão o tempo corre e poderemos futuramente ter conivência e reproduzir essas opressões ou pior deixá-las dominarem dentro de nós.
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